terça-feira, 14 de dezembro de 2010
A moreninha
Com aquele seu jeito tresloucado de andar, se balouçando entre as paineiras, Joana voltava da fonte, com um tanto de roupa lavada em cima da rodilha.
Por trás de si ia deixando um cheiro de limpo, e todos paravam seus afazeres para a ver.
Havia que uns 12 pra 13 anos que por lá se deixava. Ninguém sabia ao certo de onde viera, por certo mais uma mestiça fugida dalguma senzala.
Era vistosa de se ver. Cabelos longos e levemente volumosos aos cachos, olhos grandes e amendoados, pernas perfeitas de quem as usava na labuta. Seu rosto tinha um que de medo, sofreguidão, aparente a quem falta paz n'alma.
Morava numa casinha de paina a beira da tolé. E por lá não se via macho acabrunhado. Elas os tocava na menor faina. Era respeitosa, apesar de simples e humilde lavadeira.
Pois bem, voltanto a cena dagora, ela levava um pá de roupas à rodilha e a água da roupa recém lavada recendendo a limpeza ia-lhe caindo por sobre os ombros e escorrendo caminho à terra.
Naquele rés de chão isto era um despropósito! Se era! As beatas ao lha verem passar benziam-se repetidamente e chilreavam um "credo em cruzes". Mas nem te ligo! Ela ia muito prazenteira em frente, balouçando seus quadris milimetricamente desenhados, a deixar os machos do local com os queixos por si.
Eram três os dias da semana em que a viam ali passar. E em todos esses dias, ela não lhos dava o olhar sequer. Ia segura, com sua meia saia presa ao cós, balouçando suas carnes tal uma passista da Conjuração.
Já por aqueles dias, tinha torcido o tornozelo, mas, qual nada, ainda assim, descera a fonte a fim de cumprir o ritual que se propunha e ganhar o seu sustento.
Brio. Uma palavra que definia o trabalho, a vida e o caráter da Moreninha dos Alfaiates, pois que lhos trazia sempre o tecido limpo após lhes deixar o beque uma poeira só.
Pena mesmo, o dia em que desapareceu. Foi-se por esses cafundós sem deixar rastros.
Quebrara-se a harmonia do arraial.
Sumira-se a moreninha!
Zu ewigkeit!
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