terça-feira, 20 de outubro de 2009

Adeus, Cadu!



  - Tu vais precisar de um veículo com tração nas quatro rodas, um cabo de aço e suprimento extra de combustível. Há muita lama, buracos, prepare-se! Para chegar no Rio, vire à direita.
  Tais palavras me desanimaram completamente. Ainda assim, na terça, pela manhã, movido mais pela curiosidade do que por qualquer outra coisa, fui à aventura. Alimentei os animais bem cedo. Verifiquei o carro. Chamei Cadu que veio correndo muito agitado. Teria que levá-lo, era o único filhote e, como estivesse habituado à companhia humana, não lhe faria bem ficar trancado sozinho em casa – sem levar em conta as travessuras que ele poderia fazer... ele demonstrava sentir que ia participar de algo grande.
  - Humpf! Cães! – eu disse balançando a cabeça negativamente sob seu olhar interrogativo.
  Tudo pronto! Pegamos estrada. Ao passar pela pequena cidade, duas lojas, abertas às 6h da manhã, me chamaram a atenção, mais pelos nomes do que por este fato em si: Milagre de Deus e A ressurreição.  Enquanto acelerava a camionete, um frio me percorreu de cima à baixo.
  Afastando-nos da cidade na direção anteriormente indicada, não demorou muito para entender a observação do rapaz: curvas, subidas, descidas ornamentadas com buracos e mais buracos... a camionete não rodava: pululava! Guiando devagar, pelos regos e valas, íamos nós, com a mínima prudência possível.
  - Não conhecemos a estrada, melhor chegarmos inteiros, não, Cadu?
  Após algumas subidas e buracos, chegamos à beira de um grande lago. Súbito! Estanquei a camionete.
  Estávamos no topo de um morro, eu acho e, a vista era subliminarmente linda. O lago imenso, com pequenas ondas em seu majestoso espelho d’água pontilhado ora aqui, ora ali pelo esvoaçar de uma célere libélula que molhava as patas e se exibia pra si mesma rodeada de deslumbrante paisagem. A vegetação além do lago era de um verde esplêndido. Podia-se ouvir o cantar de pássaros diversos que a cada momento voejava de uma árvore a outra exibindo um potilhéu de cores e sons maviosos.
  - Já está valendo a pena, não, amiguinho?
  - ...
  Depois desta paisagem maviosa, voltando à estrada novamente, numa curva muito fechada logo depois dali, quase bati em um veículo que, certamente, em 300 encarnações anteriores, no mínimo pudera ter sido chamado de ônibus. Soltando uma fumaça negra e de forte odor, ele emitia ruídos estridentes rodando desajeitadamente enquanto seus pneus lançavam pedras por todos os lados.
  Ao meio-dia, passamos por uma casa de madeira. O quintal de terra varrido... cena idêntica à que eu vira em um livro, ainda em criança: uma mulher idosa sentava-se ao chão descascando algum vegetal – ao que parecia -, um cão deitado esparramado debaixo de algumas plantas que, dada a distância, eu as classificaria como roseiras ou congêneres, um homem deitado no alpendre dirigindo preguiçosamente seu olhar à estrada, bois atrelados numa carroça de madeira sendo conduzido por um adolescente magricelas, além de perus, galos e galinhas índias e d’angola ciscando pra lá e pra cá.
  Cadu acordara após um sono de quase quarenta minutos embalado por buracos e solavancos. Soerguei a cabeça como se perguntasse: - Onde estamos?
  O Sol ardia intensamente quando nos aproximamos do Rio (já tínhamos virado à direita!), ele estendia-se imponentemente até perder de vista. Estávamos à sua margem direita, sua corrente contínua lhe conferia um ar de vida e continuidade fecunda.
  Até chegar ali, pedras, buracos, oito ou mesmo dez riachos que tiveram suas águas espirradas por todos os lados pela camionete, um lago de visão divina e, lá estava ele o Rio.
  Desci do carro e joguei meu corpo ao chão de encontro à relva macia e levemente perfumada de verde.   Cadu irritou-se por ficar só e, em protesto, pôs-se a ladrar. Levantei-me, abri-lhe a porta e ele saiu saltitante de felicidade. Corria por todos os lados e na beira do Rio “caçando” as borboletas que esvoejavam por ali.
  Eu estava cansado. Estava suado e sentindo-me sujo. Sem ânimo suficiente, desci para o leito do Rio e, lentamente, me deixei levar pelas suas águas gélidas. Cadu não aprovara a idéia e latia forte como a dizer: -  Onde vai? Volte! Vou entrar!
  Ele não teria essa coragem.
  A água, menos gelada que meu coração, contrastava com o calor escaldante daquele dia.
  - Adeus, Cadu!

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